domingo, 20 de outubro de 2013

A LÍNGUA PORTUGUESA E A ATUAÇÃO POLICIAL MILITAR




No Brasil vive-se uma era em que a escrita entrelaça as complexas relações sociais e as práticas culturais. Atualmente, o comportamento do homem, principalmente urbano, se regula pela escrita, nos diversos domínios da convivência social: jurídico, institucional, trabalhista, constitucional,  pessoal. Com o policial militar não é diferente, pois esta inserido nessa sociedade e deve pautar suas ações pela civilidade e na busca de uma atuação exemplar o que implica a absorção do conhecimento e, concomitantemente, de um maior entendimento da língua com a qual interage com a população que o cerca.

O policial militar possui direitos e muitas vezes é confrontado com os direitos de outros, pois nenhum cidadão sente-se bem ao ser confrontado com a lei. Na busca por seu direitos o policial militar precisa fazê-lo com sabedoria e conhecimento e a maneira que terá para expressar-se será pela escrita que deverá ser formal e padronizada. Também terá que fazê-lo quando, por força da lei e da necessidade de agir for confrontado juridicamente pelo tratamento dado a um cidadão que por algum motivo entender que foi injustiçado. Será por meio da língua portuguesa que o policial militar se expressará no meio jurídico e constitucional. Será essa a ferramenta com a qual terá que se expressar.
Institucionalmente não é diferente, pois são diversos os fatores que fazem com que o policial militar se atenha à escrita a qual deverá ser concisa, objetiva e seguir os padrões exigidos pelo meio em que trabalha. Seja para confeccionar uma ocorrência ou para responder um memorando o policial militar não pode fugir às regras formais que são exigidas para que tenha um bom trâmite os documentos que produz. Dessa forma, mais uma vez, faz-se necessário um bom conhecimento da Lingua Portuguesa, pois se assim não for certamente o profissional mostrara-se incapaz e terá a necessidade de uma tutela. A objetividade, a clareza e a concisão com que são tratados os assuntos e a forma como as ideias vêm organizadas na produção textual certamente refletirão e mostrarão para o público externo e interno o policial capaz ou não que esta por trás do texto redigido.
Vivemos em um país em que a distribuição do conhecimento como fonte de poder é feita privilegiando alguns e discriminando outros e isso pode ser verificado, por exemplo, em nossas escolas. Não é mister que na condição de policial militar se alargue mais essa discriminação começando pela Lingua em que se interage com a sociedade. A sociedade que compartilha os princípios da honestidade e da dignidade merece um tratamento também digno a começar pela forma com que se comunica com ela. Entendê-la em sua forma de se expressar já é trazê-la da marginalidade para o centro das atenções e torna-la mais humana.







           

            

quinta-feira, 27 de junho de 2013

SENHORA, DE JOSÉ DE ALENCAR



                                      Não há como afirmar que José de Alencar não foi um escritor de talento da nossa literatura e que sua obra não tenha sido um marco do nosso Romantismo. Nascido em 01 de maio de 1829, o escritor brasileiro ainda criança aprendera a ler e o fazia com frequência, pois era constantemente solicitado a que lesse para a mãe jornais, revistas e “volumes de uma diminuta livraria romântica” Alencar (2000, p.10), o que o tornara, portanto, logo cedo, um conhecedor das letras e com isso envolvera-se em diversas leituras que formaram o seu caráter de escritor.
Alencar viveu na época do Império em que a aristocracia europeia já não estava no poder sendo substituída francamente pela burguesia.  Dessa forma é que também começou-se a criar uma literatura para essa nova classe que “já inquieta e logo libertária nos que veem bloqueada a própria ascensão dentro dos novos quadros; imersa ainda na mudez da inconsciência, naqueles para os quais não soara em 89 a hora da Liberdade-Igualdade-Fraternidade.” Bosi (2006, p.95).
No entanto esta mesma burguesia que gritou em alto e bom som na França que exigia a igualdade, fraternidade e liberdade era agora detentora do poder e não tardou a também querer dominar como afirma Neto (1986, p.11):

A gestação do mundo burguês foi um processo longo e doloroso, uma história de inaudita violência. Cobrindo um espaço temporal multissecular, caracterizou-se pela destruição brutal de antigos modos de vida, pela substituição de modelos anteriores de controle social, pela supressão a ferro e fogo das formas de organização societária precedentes.

 No Brasil colonial e agrícola permanecia o latifúndio, o escravismo e tudo o que era produzido continuava sendo exportado visando o pagamento de dividas externas adquirida com a vinda da família real para o país que, mantinha o conservadorismo monárquico.
Alencar, como afirma em como e porque sou romancista, observava toda essa sociedade e adquiria assim subsídios para os seus escritos futuros. Expressa-se assim o escritor cearense: “Estes fatos jornaleiros, que à própria pessoa muitas vezes passam despercebidos sob a monotonia do presente formam na biografia do escritor a urdidura da tela, que o mundo somente vê pela face do matiz e dos recamos.” Alencar (2000, p. 10). Observador arguto via nos fatos cotidianos todas as mazelas e virtudes que acompanhavam a elite da época. Alguns da sociedade frequentavam sua casa e Alencar então se fazia ledor para eles. Tornou-se dessa forma afeito aos livros.
Com esse conhecimento vasto é que torna-se possível a Alencar escrever suas obras procurando trazer para o Brasil uma cultura própria em que se observasse uma Literatura com características brasileiras. No entanto não há uma unanimidade sobre esse esforço de Alencar que traz  motivos de desconfiança sobre sua originalidade. Desta forma, provavelmente contrariado com as questões atinentes à originalidade, escreve Nabuco,apud Coutinho 1965:


Luciola não é senão a Dama aux camélias adaptada ao uso do demimonde fluminense; cada novo romance que faz sensação na Europa tem uma edição brasileira dada pelo Sr. J. de Alencar, que ainda nos fala da originalidade e do “sabor nativo” dos seus livros.”

   Trata-se de Luciola, mas diversas obras de José de Alencar trará essa questão da originalidade átona como se não houvesse um cruzamento de ideias quando se escreve, não houvesse intertextualidade e uma junção de conhecimentos já adquiridos para que se reinvente o mundo. Essa reinvenção do poeta não será uma cópia, pois será feita sob à sua ótica , sob o seu olhar. Teremos, portanto o novo que poderá ou não tocar o âmago do leitor fazendo-o compartilhar de uma nova visão de mundo ou por assim dizer reinterpretar o mundo.

Dentro dessa ótica alencariana de ver o mundo e a sociedade de sua época é que pode-se fazer uma análise do livro Senhora e verificar um perfil de mulher irônica, bela e herdeira de uma grande fortuna que busca sua vingança contra o homem que, no passado a desprezou para adquirir dinheiro por meio do dote de outra mulher.

O ROMANCE

O romance, publicado em 1875, é considerado urbano e traz em seu bojo um dos perfis de mulher das obras alencarianas. Possui como protagonista Aurélia e Seixas. Aquela, desprezada por este busca uma forma de vingança e a encontra em uma negociata que se torna perfeita para realização do seu plano. Negocia o próprio casamento com Fernando por um dote de cem contos de réis. O romance faz  uma critica à decadência de valores do segundo império e a uma sociedade que vive de aparências e ambição. Divide-se em quatro partes que são: O preço, Quitação, Posse e Resgate portanto sugere uma transação comercial nos moldes capitalista em voga na época tendo em vista a Revolução Industrial encabeçada pela Inglaterra que trouxe mais gente para a cidade em detrimento do campo gerando assim uma maior necessidade de produção, de compra e venda. É, portanto, utilizada de natureza econômica para os meios de vingança como afirma Pontieri (1988, p.52):

Preço, quitação, posse e resgate indicam, antes de mais nada, fases sucessivas de um circuito de natureza econômica. Tratando-se da mercadoria na sua dupla face de valor-de-uso e valor, preço quitação indicam o percurso por ela realizado, enquanto valor, na esfera do mercado.  


Ou ainda, continua a mesma autora, “A sociedade carioca é um viveiro de ‘noivos em disponibilidade’ que, como valores-de-uso, colocam-se no mercado para realizar seu valor ao atrair o equivalente universal, uma dada quantia em ouro.” (ibidem, p. 52).
Os personagens secundários são envoltos a todo tempo por Aurélia que parece manter todos ao seu redor. Dominá-los. Há uma possibilidade de entrar na casa de Aurélia por meio de Firmina que garante o espaço do  público. “Do ponto de vista constrativo ou funcional, Firmina – a mãe postiça – serve de garantia da continuidade do espaço público na privacidade da casa de Aurélia. (ibidem, p. 74). Lemos de moral hipócrita, mas que busca justificativas para os seus atos mercantilistas e mamomicos como, por exemplo, no momento em que cheio de satisfação pelo resultado obtido na empreitada que envolvia seixas, refletia sobre o acontecido:
-Não se recusam cem contos de réis, pensava ele, sem uma razão sólida, uma razão prática. O Seixas não a tem; pois não considero como tal essas palavras ocas de tráfico e mercado, que não passam de um disparate. Queria que me dissessem os senhores moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Seixas estava, portanto, na condição de bem servir aos planos de Aurélia que tinha necessidade de permanecer oculta na primeira parte do plano. “A sobrinha, que o despreza, age porém da mesma forma.” (ibidem, p. 75).
Torquato ribeiro, Adelaide do Amaral, Eduardo Abreu são a outra face do romance contrapondo-se ao casal, mas que da mesma forma permanecem no jogo de Aurélia e parecem movimentar-se de acordo com os desejos desse anjo caído do firmamento.

AURÉLIA

Aurélia surge logo no começo e é retrada como uma estrela que surgiu no céu fluminense. Tem-se assim a ideia sugerida pela metáfora que o céu fluminense representa a sociedade fluminense e que Aurélia era mais uma estrela a surgir nesse céu, portanto nessa sociedade. Também é dito que Aurélia surgiu atravessando “o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento e que produzira o seu fulgor?” Uma nova estrela que veio do céu. ”Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva!” Is. 14:12. Veio para mostrar a pujança, beleza e astúcia de uma mulher avassaladora.  Mulher tempestiva que veio do alto e caiu entre nós como um Lúcifer enfurecido que nada mais  deseja a não ser  dominar e mostrar o seu poder e beleza a todos que, de alguma forma, não resistem ao seu brilho e capacidade de persuasão. Nada mais deseja é um termo que não retrata a realidade. Desejava algo mais. Ele iria mostrar a Seixas o quanto a ambição pelo dinheiro pode ser perniciosa e levar o ser humano a escravidão, mesmo que esta não fosse física seria da alma, dos sentimentos e da consciência.
Aurélia é o oposto de Seixas que é imóvel, passivo sem atitudes capazes de mudar a rota das coisas. Aurélia faz acontecer. Tanto assim que “Traz para casa esse homem livre e, na qualidade de ‘senhora’, transforma-o em escravo e faz com que ele assim se veja.” Pontieri ( 1988, p.56).
De repente o leitor se vê envolvido em uma história com uma narrativa atraente em que a própria narrativa parece querer atraí-lo para dentro de si assim como a própria heroína. São criadas expectativas por meio de interrogações tais como: “Como acreditar que a natureza houvesse traçado as linhas tão puras e límpidas daquele perfil para quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia?” E o desejo e a curiosidade do leitor fazem o resto. Ele procura por respostas e, desta forma, é guiado pelo narrador pelo mundo de Aurélia que perpassa a corporeidade visível. Que vai além do expressamente visto. É necessário perceber seus trejeitos de mulher buscando nessa moça de 18 anos observar seu ar provocador e suas expressões cheias de desdém que contrastam com a beleza e expressão serena. Reina constantemente a ironia em Aurélia. Ela critica Fernando com ironia e parece rir de suas atitudes medíocres.
Aurélia é, enfim, como afirma Pontieri  (1988, p.77):

ativa, brilhante, luxuriante. ‘Luxuria’ aqui é algo que ultrapassa o nível estritamente sexual e sensual. Remete à pertinência cósmica de Aurélia, à riqueza de mundos em que ela tem trânsito livre. Participa de todos os reinos: mineral, vegetal, naimal; e das condições humana e divina. É ouro, mármore, jaspe; tem dentes de pérola e orelhas de nácar; é flor, leoa, borboleta e cisne; é mulher, é deusa e demônio. Participa dos quatro elementos. Tem o fogo prometéico da espirituralidade, mas também o da corporeidade da feiticeira, fogo de conhecimento carnal e intelectual; artista criadora e bacante.(...) por isso, ela é também sílfide – espírito do ar; e salamandra – o espírito do fogo.


Essa é a Aurélia apresentada no romance. Esse é o perfil de mulher de Senhora.

SEIXAS

Seixas por sua vez é a imobilidade de natureza dúbia e incapaz de ações mais relevantes. Recatado e dócil, manifesta uma passividade que permite a Aurélia agir sobre ele preparando todo um caminho que o leva a humilhação, frustração e peso na consciência. “Ele – passivo, cinzento, contido.” (ibidem, p. 77).
Seixas, mesmo vivendo na pobreza, ostenta o que não é e o que não tem, pois era ambicioso e com pretensões de casar-se com uma moça rica. Dessa forma despreza Aurélia Camargo com a intenção de casar-se com uma moça rica, Adelaide Amaral e pelo dote que pretendia receber. Há, no entanto, a interferência de Aurélia e o casamento não se consuma ficando Seixas preso à Aurélia pela divida adquirida e o casamento arranjado.
No romance de José de Alencar há uma forte referência ao capitalismo que torna a pessoa vil e capaz de ações não ortodoxas para alcançar seus objetivos. Tudo é comercio e as aparências sociais contam para que os objetivos sejam alcançados.
No entanto não se pode deixar de lado a questão da vingança e do ódio que se torna internalizado quando se é repudiado em desfavor do outro. A capacidade de ação de Aurélia tomou proporções ilimitadas e seus planos tornaram-se sua fonte de vida quando fora rejeitada. Ademais não se pode esquecer que Aurélia não tinha família e que a solidão e ausência era fator presente.
A narrativa de Senhora é recheada de ironia, instantes de plenitude e risco de ruptura devido a um equilíbrio tenso. Tem em seu desfecho a redenção dos personagens protagonistas que se redescobrem atirando-se Aurélia aos pés de Seixas e recuperando este a sua dignidade quando consegue o dinheiro para restituir Aurélia. Nesse momento a uma nova visão, uma nova leitura do romance que propõe uma nova leitura dos dados. São as máscaras trocadas...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS





ALENCAR, José. Senhora. 2ª ed. Rio de Janeiro: Escala, 2002.

________Como e porque sou romancista. Minas Gerais: 2000/2003.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 48ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

NETO, José Paulo. O que é Marxismo. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.


PONTIERI, Regina Lúcia. A Voragem do Olhar. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.

sábado, 22 de junho de 2013

BARROCO: TRADIÇÃO E MODERNIDADE

 BARROCO: TRADIÇÃO E MODERNIDADE        

Há no Brasil, entre os críticos de maior envergadura, uma tendência a afirmar que no Brasil não houve literatura Barroca, mas somente manifestação Barroca. É bem certo que tal afirmação não tem um motivo com fortes explicações literárias tendo em vista que, após uma releitura das obras de Gregório de Matos Guerra, Vieira, Gongora, dentre outros, foi possível traçar um perfil desses literatos e afirmar que sim, houve uma literatura Barroca no Brasil que influenciou e continua influenciando escritores.
Também é possível afirmar que o que houve para maginalizar-se com tal ímpeto tal época, qual seja, a época Barroca, tenha sido uma incompreensão, mas de qualquer forma não é possível que se aceite com naturalidade que a época barroca tenha sido, por exemplo, primitiva, pois, “Não há épocas primitivas nem épocas decadentes; só há épocas que compreendemos bem porque a nossa própria atitude é parecida, e outras que compreendemos menos ou só com dificuldade porque diferem muito da nossa.  Carpeaux (2012, p.27).
Dessa forma é que frequentemente os livros didáticos apontam para o Período Barroco no Brasil como sendo tão somente uma manifestação literária e nada mais . “Houve, no Brasil colonial, dois tipos de Barroco: O baiano, com manifestações literárias...” Yousseff ( 2003, p. 133). Poderia-se também concordar com Antônio Cândido na Formação da Literatura Brasileira em que o autor defende que faltou um público, uma continuidade da tradição e uma comunicabilidade de tal forma que não poderia haver uma literatura Barroca no período colonial.Sobre a questão do rebuscamento, citando o livro de Cândido, nos alerta Campos (2011, p. 55):

É, porém, o mesmo crítico quem, num movimento antiteticamente pendular em relação a esse louvor do “gratuito” enquanto fator criativo, nega a existitência em nossa literatura, “até o Modernismo”, de “escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade fácil do rebuscamento verbal”. Que quer dizer exatamente esta fórmula? O Pe. Vieira, com seu “discurso engenhoso”, é escritor fácil? Sousândrade o é? Euclides é fácil? Ou todos eles são “falsos requintados”, como o foram, mutatis mutandis, para a crítica adversa do tempo, Gôgora, o “anjo da trevas”, o “mostruoso” Holderlin das traduções sofoclianas, Mallarmé, o “obscuro...”

A Literatura Barroca, seria portanto de  pouco valor literário jamais comparável aos Clássicos  com seu ideário em que cantavam o país, a natureza e, enfim, a essência do espírito nacional. Sendo assim tivemos os românticos e a partir deles uma literatura. O que ficou para trás não conta e não tem valor. Percebe-se muitas vezes nessa exclusão um preconceito, pois tinha-se uma Literatura conservadora e uma Literatura em efervescência que não dependia do Renascimento.  Na verdade falar em Clássico no Brasil no inicia da colonização não é tão próprio, pois o que havia eram alguns escritores imitadores dos clássicos antigos.
BARROCO LITERÁRIO
É importante mencionar que o século XVII foi fecundo no que diz respeito à Cervante e Gongora. Mas não se pode negar que para o século posterior somente a França fora digna de uma grande literatura e que somente a França produzira uma alta cultura ficando à margem as literaturas espanholas e italianas, por exemplo, o que demonstra o caráter tendencioso da literatura do século XVIII. Assim fora, no entanto, por causa de uma Aristocracia acostumada à literatura Clássica e um centro irradiador que era nesse caso a França com seu rei Luis XIV. O Máximo que se considerava era que a Espanha tinha alguma coisa de pontualmente bom como afirma Carpeaux (2012, p. 19):

Só assim se explica o equívoco de que Lope de Vega e Shakespeare tivessem sido considerados como poetas renascentistas; os poetas seus contemporâneos, Góngora e Donne, que não era possível, nem com a maior boa vontade, considerar como representante da Renascença, continuam condenados. Ainda existem manuais da literatura espanhola e inglesa nos quais o estilo de Gógora é explicado por uma doença mental do poeta e o nome de Donne nem se quer figura. Fora da França, o século XVII parecia – e parece a muitos até hoje – dominado pelo “mau gosto.”

Ou seja, para a elite do século XVII quem reinava em termos literários era a França e no século XVII algumas poucas coisas surgiram na Inglaterra e Espanha que podem se consideradas boas.
Em 1580 Camões já morrera e a unificação ibérica já se processara. Havia em Portugal o domínio Espanhol que durou até 1640.  Portugal, dominado, não convivia com os avanços que ocorriam na Europa e a colônia tinha o mesmo destino. Sendo assim o que se tinha no Brasil era um Barroco que misturou a tendência europeia com a realidade local, ma nem por isso não há de se falar em originalidade. “Quanto ao estrangeiro, lá reinava o ‘mau gosto’, quer dizer, um estilo caracterizado pelo fato de não ser um estilo. Chegou-se a negar a existência do Barroco em literatura.” (Ibidem, p. 25).   Negar o Barroco não é licito e nem verdadeiro. Dizer que no século XVII houve somente uma literatura de mau gosto é tentar fugir de uma realidade que urge aos nossos olhos e nossos ouvidos mostrando-se a todo tempo, mesmo quando não se quer encará-la de frente. Até mesmo o termo barroco é um termo pejorativo criado para desacreditar a arte que não seguia os modelos clássicos.
O cultismo que se via nas obras de Marino e de alguns escritores como Gongora, era considerado difícil e de mau gosto. Mas até pode-se falar em difícil, tendo em vista que “um Marino, um Góngora, um Donne quiseram oferecer algo de novo e inédito, a todo custo, até ao preço de tornar-se afetados ou incompreensíveis.” Ibidem (p. 62), no entanto de mau gostos é questionável, pois poderia-se entender essa tentativa de uma busca por possibilidades novas uma fuga ou um cansaço. “O espírito dominante da sociedade aristocrática, cansada da ‘grande simplicidade do Classicismo’, impõe sutilezas cada vez mais profundas ou pseudoprofundas.” Ibidem (p. 62).  Cansaço exarcebado de algo delineado, medido, linear e muitas vezes previsível além de exigível como credencial para ser aceito no meio literário em voga.
Então tinha-se até o nome Barroco como algo pejorativo até recentemente quando passou-se a fazer um reestudo das literaturas surgidas nessa época.A ideologia clássica mantinha a definição bem delimitada entre a razão e a fé, o homem e Deus e o ser e não-ser. Na Contra-Reforma (ideologia do Barrococo) tenta-se uma reaproximação do homem a Deus. Essas questões referentes a Deus e ao homem refletem na arte e, particularmente na literatura. Conforme Coutinho (1995, p.102):
A poesia de Marino, Donne, Gongora ou Gregório de Matos mistura religiosidade e sensualismo, erotismo e misticismo, em efusões erótico espirituais (Wesbach), formando um típico naturalismo sensual. Tanto na lírica quanto na mística, existe essa sensualização de assuntos religiosos, embora muita vez dissimulada sob toda a casta de disfarces ou artifícios retóricos e estilísticos, distorções ou obscuridades, tão ao gosto da época.

Fica claro, portanto, porque há o uso constante de figuras de linguagens, cores claras e cores escuras, profano e sagrado, morte e vida...

A EXTEMPORANEIDADE DO BARROCO

O Barroco fez-se presente do século XVI ao século XVIII, mas como a questão temporal nos estilos literários não é fixa servindo apena para situar o estudioso ou interessado e facilitar didaticamente o aprendizado é possível afirmar que o Barroco atravessou fronteiras geográficas e temporais sendo possível verificá-lo na literatura moderna em todas as suas nuances do passado. Como exemplo é possível estudar a obra de Osmam Lins , Nove, novena, e contemplar o Barroco mesmo a obra tendo sido escrita em pleno século XX.
Em Nove, novena, temos o Conto Barroco ou Unidade Tripartita em que há uma inovação na produção literária de escrita. Já não se trata mais de um conto na forma tradicional em que se esta acostumado a ler e ver, mas existe todo um processo de criação nova na estrutura do conto. É possível verificar, portanto, o quanto o Barroco é moderno, pois a modernidade e tradição se juntam nesse que é um dos melhores contos já produzidos por um escritor moderno.
Embora sejam muitas as definições que se tem sobre conto pode-se conceber que conto é uma narrativa breve, que se passa em um espaço e em um tempo bem delimitado. A trama é única e sem muitas peripécias procurando levar o leitor ao desfecho no máximo de tensão e o mínimo de descrição. Esta é a descrição comum de um conto. Porém, em Conto Barroco, há inovações e o conto foge aos padrões limítrofes impostos pelo conceito tradicional de conto. Esse fato já é demonstrado logo no titulo do conto, pois faz referência a uma “Unidade Tripartita” remetendo à trindade cristã. Um conto nos moldes tradicionais é uno. Nos moldes de Osman Lins é trino como a trindade. Nada mais Barroco.
A questão religiosa é abordada explicitamente em Conto Barroco de tal forma que pode ser notada tanto em sua referência ao Barroco que objetivava resgatar valores católicos propostos pela Contra-Reforma como afirma Coutinho (1995,p. 101):

Teve, pois, o Barroco um sentido eminentemente religioso, e constituiu “a expressão ou linguagem plasmadora das instituições” brotadas da energia religiosa da Contra-Reforma, e realizando a ‘fusão da expressão formal e da expressão espiritual’, no dizer de Weisbach. A idelologia corrente do Barroco resultou do movimento espiritual desencadeado pela Contra Reforma, no intuito de reaproximar o homem de Deus, o celestial e o terreno, o religioso  e o profano, conciliando as heranças medieval e renascentista.

Como em sua referência ao religioso e as tradições cristãs, além de, por várias vezes intertextualizar com textos bíblicos que fazem menção ao próprio Cristo. Uma manifestação clara do sagrado e do profano que sempre estiveram em evidência no Barroco. “ O homem Barroco humaniza o sobrenatural, ligando o Céu e a Terra, misturando os dois planos na sua vida cotidiana, sem que seja preciso deixar de ser pícaro para participar da visão das coisas celestiais” (Ibidem, p. 104).
Conto Barroco ou unidade tripartita, trata de um assassinato que deveria ser execultado por um provável policial. A vitima da qual nada é informado sobre o crime que cometera ainda não é conhecidada do carrasco que precisa da ajuda de uma ex-amante da vitima. Também surge no conto o pai da vitima. Com esses personagens Osman Lins leva o leitor a também se tornar personagem. Traz para próximo do ser humano o céu, Cristo, apóstolos referindo-se ao sacro e o profano por meio da traição, da morte, da dor e da agonia humana que titubeia entre o bem e o mal. Nesse sentido é dito por Coutinho (1995, p. 107):

A intensidade, ou o desejo de exprimir intensamente o sentido da existência, expressa no abuso da hipérbole, na exarcebação das paixões e sentimentos, na intensidade da dor amorosa, do ciúme, do arrependimento (até conduzindo à loucura), do desejo sexual (traduzido em palavras de fogo, levando até ao assassinato, à violação, ao incesto); nos excessos de desespero; no orgulho desmesurado, no gosto das emoções fortes, do espetáculo aterrador, da morte, do macabro, das alucinações, do fantástico.

E o que temos em Conto Barroco se não todas essas conjugações de ações? Temos a traição, pois a ex-amante, uma negra que tivera um filho com a vitima, recebe dinheiro para traí-lo e não só concorda com a traição como aponta a vitima para seu algoz, “trava-me o braço e olha por cima do meu ombro: ‘vem aí o homem. Guarde a cara dele’. Passo-lhe o dinheiro, afago meu revólver.” Lins (2012, p.122). Também menciona-se o desejo sexual, alucinações o macabro como neste texto: “Um pavão branco, de cauda sangue e ouro, aproxima-se e engole as frutas ávido, ante minha irmã paralisada, deixando apenas a compoteira vazia. Volta-se o rato e num instante sorve minha irmã.” (ibidem, p. 126).
Além do mais houve no Brasil alguns lugares onde o fomento do Barroco foi mais gritante sendo os principais: Congonhas, ouro preto e Tiradentes. Locais citados no conto e não por acaso três locais. Assim como sempre são citadas três possibilidades de solução no texto fazendo essa conexão por meio da conjunção “ou”.
Os contrários são evidenciados quando menciona-se o claro e o escuro no momento em que a mulher é retratada nua, no leito. Nesse momento o brilho, a luz contrastam com o escuro da voz da negra e o ambiente onde tem-se os ratos correndo e o voou das baratas.
O conto culmina com a morte reinando, vencendo o homem. Embora o religioso esteja presente, pois até mesmo José Gervásio que diz ter sido vitima durante toda a sua vida não é poupado. Mais uma vez em menção ao Barroco o cristianismo é citado. O homem é colocado em igualdade com Deus. O homem é Deus porque Deus é homem. “Eu e o Pai somos um.” João 10:30. José Gervásio se diz sofredor e até na cruz estivera, “Ele em calção de banho, cabelo à nazarena, barba crescida, pés e pulsos amarrados de corda, numa cruz.”(ibidem, p. 128). É mais uma vez o sacro e o profano. Não se trata de oposição, mas de complementação. O homem torna-se uma extensão de Deus e Deus do homem. A fé e a razão caminham lado a lado assim como os infortúnios e a glória conforme é possível perceber nas palavras de José Gervásio: “Mas em Sento Sé foi uma glória.” Se fora glória lá em Sento Sé não o fora em outros lugares: “Houve cidades onde o que me deram não chegou nem para alimentar o jumento.” Dessa forma fica clara a intenção Barroca nesse conto moderno, mostrando que a Literatura Barroca atravessou fronteiras chegando ao Brasil por meio de Gregório de Matos Guerra e do Padre Antonio Vieira e atravessando séculos até a modernidade como pode ser visto no conto de  Osman Lins, Conto Barroco ou Unidade Tripartita.


           
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA SAGRADA, 2ª ed. São Paulo: Scripturae Publicações, 2004.

CAMPOS, Haroldo. O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: O caso Gregório de Matos. 1ªed. São Paulo: Iluminuras, 2011.

CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literaturas: brasileira e portuguesa: teoria e texto: volume único. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

CARPEAUX, Oto Maria. O Barroco e o Classicismo por Carpeaux. 1ª ed. São Paulo: Leya, 2012.

LINS, Osman. Nove, novena. 4ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013



Um ótimo texto sobre Linguística retirado do site mestrando.com


OBJETO DA LINGUÍSTICA

1. A LÍNGUA: SUA DEFINIÇÃO

Qual é o objeto, ao mesmo tempo integral e concretodLinguísticaquestão é particularmente difícil: veremos maitardpoque. Limitemo-nos, aqui, a esclarecedificuldade.
Outraciências trabalham com objetos dadopreviamente que se podeconsiderarem seguida,de váriopontos dvistaem nosso campo, naddsemelhantocorre. Alguém pronuncia a palavrnuum observadosuperficiaserá tentado a venelum  objetlinguístico concreto; um exammais atento,pomnolevará encontrar no caso, uma após outra,três ou quatrcoisas perfeitamentdiferentes, conforma maneira pelqual consideramos palavra: como som, como expressão duma ideia, Como correspondente ao latim nudum etc. Bem longe ddizer que o objeto precedo pontde vista, diríamos que e o ponto de vista que criobjetoaliás, nada nos diz dantemão quumdessas maneiradconsiderar 0 fatoequestão sejanterior ou superior às outras.
Além dissoseja qual foque se adote, o fenômeno linguístico apresenta perpetuamentduafaces quse correspondem e das quais uma não vale senão pela outra. Por exemplo:

1° As sílabas quse articulam são impressões acústicas percebidas pelo ouvidomaosons nãexistiriam sem os órgãos vocais; assimum existe somentpela correspondência desses doiaspectos. Não spode reduzir então línguao som, nem separar 0 som da articulacão vocal; reciprocamente, não se podem definir os movimentos dos órgãos vocais ssfizer abstração da impressão acústica.

 Mas admitamos quo som seja uma coisa simplesé elquem faz a linguagem? Nãonão passa dinstrumento do pensamento e não existpor si mesmoSurgdaí umnova e temível correspondência: o som, unidade complexa acústico-vocalforma por sua vez, com ideia, uma unidadcomplexa, fisiológica mentalE ainda mais:

 A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. Finalmente:

4° A cada instantelinguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido umevolução: a cadinstante, ela é uma instituição atual um produto do passado. Parece fácil, à primeira vista,.distinguir entre esses sistemas suhistóriaentre aquilo que ele é e o que foi; na realidade, a relação que une ambas as coisas é tao íntima que se fadifícil separá-las. Seria questão mais simples sse considerasse o fenômeno linguístico em suas origens; se, por exemplo, começássemos por estudar a linguagem das crianças? Não, pois é umideia bastante falsa crer que em matéria de linguagem o problemdas origens difira do das condições permanentes; não ssairá mais do círculo vicioso, então.
Dessarte, qualquer que sejo lado por que se aborda questão, em nenhuma partsnos oferece integral o objeto dLinguística. Semprencontramos o dilemaou nos aplicamos a um lado apenas dcada problema e nos arriscamos a não perceber adualidades assinaladas acima, ou, se estudarmos a linguagem sob vários aspectos ao mesmtempoo objeto dLinguística nos aparecerá como um aglomerado confuso de coisas heteróclitas sem liamentre si. Quando sprocedassim, abre-se a porta a várias ciências – PsicologiaAntropologiaGramática normativaFilologia etc. – , quseparamos claramentdLinguística, mas que, por culpa de um método incorreto, poderiam reivindicar a linguagem como um de seus objetos.
Há, segundo nos pareceuma solução para todas essadificuldades: é necessário colocar-se  primeiramentno terreno da língua e tomá-la como norma dtodas as outras manifestações da linguagem. De fato, entre tantas dualidades, somente a língua parece suscetível dumdefinição autônoma fornece um ponto de apoio satisfatório para espírito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SUPERINTERESSANTE. Antes da Torre de Babel. Revista Superinteressante. São Paulo, n° 033. 1990.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2.000.