quinta-feira, 27 de junho de 2013

SENHORA, DE JOSÉ DE ALENCAR



                                      Não há como afirmar que José de Alencar não foi um escritor de talento da nossa literatura e que sua obra não tenha sido um marco do nosso Romantismo. Nascido em 01 de maio de 1829, o escritor brasileiro ainda criança aprendera a ler e o fazia com frequência, pois era constantemente solicitado a que lesse para a mãe jornais, revistas e “volumes de uma diminuta livraria romântica” Alencar (2000, p.10), o que o tornara, portanto, logo cedo, um conhecedor das letras e com isso envolvera-se em diversas leituras que formaram o seu caráter de escritor.
Alencar viveu na época do Império em que a aristocracia europeia já não estava no poder sendo substituída francamente pela burguesia.  Dessa forma é que também começou-se a criar uma literatura para essa nova classe que “já inquieta e logo libertária nos que veem bloqueada a própria ascensão dentro dos novos quadros; imersa ainda na mudez da inconsciência, naqueles para os quais não soara em 89 a hora da Liberdade-Igualdade-Fraternidade.” Bosi (2006, p.95).
No entanto esta mesma burguesia que gritou em alto e bom som na França que exigia a igualdade, fraternidade e liberdade era agora detentora do poder e não tardou a também querer dominar como afirma Neto (1986, p.11):

A gestação do mundo burguês foi um processo longo e doloroso, uma história de inaudita violência. Cobrindo um espaço temporal multissecular, caracterizou-se pela destruição brutal de antigos modos de vida, pela substituição de modelos anteriores de controle social, pela supressão a ferro e fogo das formas de organização societária precedentes.

 No Brasil colonial e agrícola permanecia o latifúndio, o escravismo e tudo o que era produzido continuava sendo exportado visando o pagamento de dividas externas adquirida com a vinda da família real para o país que, mantinha o conservadorismo monárquico.
Alencar, como afirma em como e porque sou romancista, observava toda essa sociedade e adquiria assim subsídios para os seus escritos futuros. Expressa-se assim o escritor cearense: “Estes fatos jornaleiros, que à própria pessoa muitas vezes passam despercebidos sob a monotonia do presente formam na biografia do escritor a urdidura da tela, que o mundo somente vê pela face do matiz e dos recamos.” Alencar (2000, p. 10). Observador arguto via nos fatos cotidianos todas as mazelas e virtudes que acompanhavam a elite da época. Alguns da sociedade frequentavam sua casa e Alencar então se fazia ledor para eles. Tornou-se dessa forma afeito aos livros.
Com esse conhecimento vasto é que torna-se possível a Alencar escrever suas obras procurando trazer para o Brasil uma cultura própria em que se observasse uma Literatura com características brasileiras. No entanto não há uma unanimidade sobre esse esforço de Alencar que traz  motivos de desconfiança sobre sua originalidade. Desta forma, provavelmente contrariado com as questões atinentes à originalidade, escreve Nabuco,apud Coutinho 1965:


Luciola não é senão a Dama aux camélias adaptada ao uso do demimonde fluminense; cada novo romance que faz sensação na Europa tem uma edição brasileira dada pelo Sr. J. de Alencar, que ainda nos fala da originalidade e do “sabor nativo” dos seus livros.”

   Trata-se de Luciola, mas diversas obras de José de Alencar trará essa questão da originalidade átona como se não houvesse um cruzamento de ideias quando se escreve, não houvesse intertextualidade e uma junção de conhecimentos já adquiridos para que se reinvente o mundo. Essa reinvenção do poeta não será uma cópia, pois será feita sob à sua ótica , sob o seu olhar. Teremos, portanto o novo que poderá ou não tocar o âmago do leitor fazendo-o compartilhar de uma nova visão de mundo ou por assim dizer reinterpretar o mundo.

Dentro dessa ótica alencariana de ver o mundo e a sociedade de sua época é que pode-se fazer uma análise do livro Senhora e verificar um perfil de mulher irônica, bela e herdeira de uma grande fortuna que busca sua vingança contra o homem que, no passado a desprezou para adquirir dinheiro por meio do dote de outra mulher.

O ROMANCE

O romance, publicado em 1875, é considerado urbano e traz em seu bojo um dos perfis de mulher das obras alencarianas. Possui como protagonista Aurélia e Seixas. Aquela, desprezada por este busca uma forma de vingança e a encontra em uma negociata que se torna perfeita para realização do seu plano. Negocia o próprio casamento com Fernando por um dote de cem contos de réis. O romance faz  uma critica à decadência de valores do segundo império e a uma sociedade que vive de aparências e ambição. Divide-se em quatro partes que são: O preço, Quitação, Posse e Resgate portanto sugere uma transação comercial nos moldes capitalista em voga na época tendo em vista a Revolução Industrial encabeçada pela Inglaterra que trouxe mais gente para a cidade em detrimento do campo gerando assim uma maior necessidade de produção, de compra e venda. É, portanto, utilizada de natureza econômica para os meios de vingança como afirma Pontieri (1988, p.52):

Preço, quitação, posse e resgate indicam, antes de mais nada, fases sucessivas de um circuito de natureza econômica. Tratando-se da mercadoria na sua dupla face de valor-de-uso e valor, preço quitação indicam o percurso por ela realizado, enquanto valor, na esfera do mercado.  


Ou ainda, continua a mesma autora, “A sociedade carioca é um viveiro de ‘noivos em disponibilidade’ que, como valores-de-uso, colocam-se no mercado para realizar seu valor ao atrair o equivalente universal, uma dada quantia em ouro.” (ibidem, p. 52).
Os personagens secundários são envoltos a todo tempo por Aurélia que parece manter todos ao seu redor. Dominá-los. Há uma possibilidade de entrar na casa de Aurélia por meio de Firmina que garante o espaço do  público. “Do ponto de vista constrativo ou funcional, Firmina – a mãe postiça – serve de garantia da continuidade do espaço público na privacidade da casa de Aurélia. (ibidem, p. 74). Lemos de moral hipócrita, mas que busca justificativas para os seus atos mercantilistas e mamomicos como, por exemplo, no momento em que cheio de satisfação pelo resultado obtido na empreitada que envolvia seixas, refletia sobre o acontecido:
-Não se recusam cem contos de réis, pensava ele, sem uma razão sólida, uma razão prática. O Seixas não a tem; pois não considero como tal essas palavras ocas de tráfico e mercado, que não passam de um disparate. Queria que me dissessem os senhores moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Seixas estava, portanto, na condição de bem servir aos planos de Aurélia que tinha necessidade de permanecer oculta na primeira parte do plano. “A sobrinha, que o despreza, age porém da mesma forma.” (ibidem, p. 75).
Torquato ribeiro, Adelaide do Amaral, Eduardo Abreu são a outra face do romance contrapondo-se ao casal, mas que da mesma forma permanecem no jogo de Aurélia e parecem movimentar-se de acordo com os desejos desse anjo caído do firmamento.

AURÉLIA

Aurélia surge logo no começo e é retrada como uma estrela que surgiu no céu fluminense. Tem-se assim a ideia sugerida pela metáfora que o céu fluminense representa a sociedade fluminense e que Aurélia era mais uma estrela a surgir nesse céu, portanto nessa sociedade. Também é dito que Aurélia surgiu atravessando “o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento e que produzira o seu fulgor?” Uma nova estrela que veio do céu. ”Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva!” Is. 14:12. Veio para mostrar a pujança, beleza e astúcia de uma mulher avassaladora.  Mulher tempestiva que veio do alto e caiu entre nós como um Lúcifer enfurecido que nada mais  deseja a não ser  dominar e mostrar o seu poder e beleza a todos que, de alguma forma, não resistem ao seu brilho e capacidade de persuasão. Nada mais deseja é um termo que não retrata a realidade. Desejava algo mais. Ele iria mostrar a Seixas o quanto a ambição pelo dinheiro pode ser perniciosa e levar o ser humano a escravidão, mesmo que esta não fosse física seria da alma, dos sentimentos e da consciência.
Aurélia é o oposto de Seixas que é imóvel, passivo sem atitudes capazes de mudar a rota das coisas. Aurélia faz acontecer. Tanto assim que “Traz para casa esse homem livre e, na qualidade de ‘senhora’, transforma-o em escravo e faz com que ele assim se veja.” Pontieri ( 1988, p.56).
De repente o leitor se vê envolvido em uma história com uma narrativa atraente em que a própria narrativa parece querer atraí-lo para dentro de si assim como a própria heroína. São criadas expectativas por meio de interrogações tais como: “Como acreditar que a natureza houvesse traçado as linhas tão puras e límpidas daquele perfil para quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia?” E o desejo e a curiosidade do leitor fazem o resto. Ele procura por respostas e, desta forma, é guiado pelo narrador pelo mundo de Aurélia que perpassa a corporeidade visível. Que vai além do expressamente visto. É necessário perceber seus trejeitos de mulher buscando nessa moça de 18 anos observar seu ar provocador e suas expressões cheias de desdém que contrastam com a beleza e expressão serena. Reina constantemente a ironia em Aurélia. Ela critica Fernando com ironia e parece rir de suas atitudes medíocres.
Aurélia é, enfim, como afirma Pontieri  (1988, p.77):

ativa, brilhante, luxuriante. ‘Luxuria’ aqui é algo que ultrapassa o nível estritamente sexual e sensual. Remete à pertinência cósmica de Aurélia, à riqueza de mundos em que ela tem trânsito livre. Participa de todos os reinos: mineral, vegetal, naimal; e das condições humana e divina. É ouro, mármore, jaspe; tem dentes de pérola e orelhas de nácar; é flor, leoa, borboleta e cisne; é mulher, é deusa e demônio. Participa dos quatro elementos. Tem o fogo prometéico da espirituralidade, mas também o da corporeidade da feiticeira, fogo de conhecimento carnal e intelectual; artista criadora e bacante.(...) por isso, ela é também sílfide – espírito do ar; e salamandra – o espírito do fogo.


Essa é a Aurélia apresentada no romance. Esse é o perfil de mulher de Senhora.

SEIXAS

Seixas por sua vez é a imobilidade de natureza dúbia e incapaz de ações mais relevantes. Recatado e dócil, manifesta uma passividade que permite a Aurélia agir sobre ele preparando todo um caminho que o leva a humilhação, frustração e peso na consciência. “Ele – passivo, cinzento, contido.” (ibidem, p. 77).
Seixas, mesmo vivendo na pobreza, ostenta o que não é e o que não tem, pois era ambicioso e com pretensões de casar-se com uma moça rica. Dessa forma despreza Aurélia Camargo com a intenção de casar-se com uma moça rica, Adelaide Amaral e pelo dote que pretendia receber. Há, no entanto, a interferência de Aurélia e o casamento não se consuma ficando Seixas preso à Aurélia pela divida adquirida e o casamento arranjado.
No romance de José de Alencar há uma forte referência ao capitalismo que torna a pessoa vil e capaz de ações não ortodoxas para alcançar seus objetivos. Tudo é comercio e as aparências sociais contam para que os objetivos sejam alcançados.
No entanto não se pode deixar de lado a questão da vingança e do ódio que se torna internalizado quando se é repudiado em desfavor do outro. A capacidade de ação de Aurélia tomou proporções ilimitadas e seus planos tornaram-se sua fonte de vida quando fora rejeitada. Ademais não se pode esquecer que Aurélia não tinha família e que a solidão e ausência era fator presente.
A narrativa de Senhora é recheada de ironia, instantes de plenitude e risco de ruptura devido a um equilíbrio tenso. Tem em seu desfecho a redenção dos personagens protagonistas que se redescobrem atirando-se Aurélia aos pés de Seixas e recuperando este a sua dignidade quando consegue o dinheiro para restituir Aurélia. Nesse momento a uma nova visão, uma nova leitura do romance que propõe uma nova leitura dos dados. São as máscaras trocadas...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS





ALENCAR, José. Senhora. 2ª ed. Rio de Janeiro: Escala, 2002.

________Como e porque sou romancista. Minas Gerais: 2000/2003.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 48ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

NETO, José Paulo. O que é Marxismo. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.


PONTIERI, Regina Lúcia. A Voragem do Olhar. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1988.

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