BARROCO: TRADIÇÃO E MODERNIDADE
Há no Brasil, entre os críticos de
maior envergadura, uma tendência a afirmar que no Brasil não houve literatura
Barroca, mas somente manifestação Barroca. É bem certo que tal afirmação não
tem um motivo com fortes explicações literárias tendo em vista que, após uma
releitura das obras de Gregório de Matos Guerra, Vieira, Gongora, dentre
outros, foi possível traçar um perfil desses literatos e afirmar que sim, houve
uma literatura Barroca no Brasil que influenciou e continua influenciando
escritores.
Também é possível afirmar que o que
houve para maginalizar-se com tal ímpeto tal época, qual seja, a época Barroca,
tenha sido uma incompreensão, mas de qualquer forma não é possível que se
aceite com naturalidade que a época barroca tenha sido, por exemplo, primitiva,
pois, “Não há épocas primitivas nem épocas decadentes; só há épocas que
compreendemos bem porque a nossa própria atitude é parecida, e outras que
compreendemos menos ou só com dificuldade porque diferem muito da nossa. Carpeaux (2012, p.27).
Dessa forma é que frequentemente os
livros didáticos apontam para o Período Barroco no Brasil como sendo tão
somente uma manifestação literária e nada mais . “Houve, no Brasil colonial,
dois tipos de Barroco: O baiano, com manifestações literárias...” Yousseff (
2003, p. 133). Poderia-se também concordar com Antônio Cândido na Formação da Literatura Brasileira em que
o autor defende que faltou um público, uma continuidade da tradição e uma
comunicabilidade de tal forma que não poderia haver uma literatura Barroca no
período colonial.Sobre a questão do rebuscamento, citando o livro de Cândido,
nos alerta Campos (2011, p. 55):
É, porém, o mesmo crítico quem, num
movimento antiteticamente pendular em relação a esse louvor do “gratuito”
enquanto fator criativo, nega a existitência em nossa literatura, “até o
Modernismo”, de “escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade fácil do
rebuscamento verbal”. Que quer dizer exatamente esta fórmula? O Pe. Vieira, com
seu “discurso engenhoso”, é escritor fácil? Sousândrade o é? Euclides é fácil?
Ou todos eles são “falsos requintados”, como o foram, mutatis mutandis, para a
crítica adversa do tempo, Gôgora, o “anjo da trevas”, o “mostruoso” Holderlin
das traduções sofoclianas, Mallarmé, o “obscuro...”
A Literatura Barroca, seria portanto
de pouco valor literário jamais
comparável aos Clássicos com seu ideário
em que cantavam o país, a natureza e, enfim, a essência do espírito nacional.
Sendo assim tivemos os românticos e a partir deles uma literatura. O que ficou
para trás não conta e não tem valor. Percebe-se muitas vezes nessa exclusão um
preconceito, pois tinha-se uma Literatura conservadora e uma Literatura em
efervescência que não dependia do Renascimento. Na verdade falar em Clássico no Brasil no inicia
da colonização não é tão próprio, pois o que havia eram alguns escritores
imitadores dos clássicos antigos.
BARROCO LITERÁRIO
É importante mencionar que o século
XVII foi fecundo no que diz respeito à Cervante e Gongora. Mas não se pode
negar que para o século posterior somente a França fora digna de uma grande
literatura e que somente a França produzira uma alta cultura ficando à margem
as literaturas espanholas e italianas, por exemplo, o que demonstra o caráter
tendencioso da literatura do século XVIII. Assim fora, no entanto, por causa de
uma Aristocracia acostumada à literatura Clássica e um centro irradiador que
era nesse caso a França com seu rei Luis XIV. O Máximo que se considerava era
que a Espanha tinha alguma coisa de pontualmente bom como afirma Carpeaux
(2012, p. 19):
Só assim se explica o equívoco de que
Lope de Vega e Shakespeare tivessem sido considerados como poetas
renascentistas; os poetas seus contemporâneos, Góngora e Donne, que não era
possível, nem com a maior boa vontade, considerar como representante da
Renascença, continuam condenados. Ainda existem manuais da literatura espanhola
e inglesa nos quais o estilo de Gógora é explicado por uma doença mental do
poeta e o nome de Donne nem se quer figura. Fora da França, o século XVII
parecia – e parece a muitos até hoje – dominado pelo “mau gosto.”
Ou seja, para a elite do século XVII
quem reinava em termos literários era a França e no século XVII algumas poucas
coisas surgiram na Inglaterra e Espanha que podem se consideradas boas.
Em 1580 Camões já morrera e a
unificação ibérica já se processara. Havia em Portugal o domínio Espanhol que
durou até 1640. Portugal, dominado, não
convivia com os avanços que ocorriam na Europa e a colônia tinha o mesmo
destino. Sendo assim o que se tinha no Brasil era um Barroco que misturou a
tendência europeia com a realidade local, ma nem por isso não há de se falar em
originalidade. “Quanto ao estrangeiro, lá reinava o ‘mau gosto’, quer dizer, um
estilo caracterizado pelo fato de não ser um estilo. Chegou-se a negar a
existência do Barroco em literatura.” (Ibidem, p. 25). Negar o Barroco não é licito e nem verdadeiro.
Dizer que no século XVII houve somente uma literatura de mau gosto é tentar
fugir de uma realidade que urge aos nossos olhos e nossos ouvidos mostrando-se
a todo tempo, mesmo quando não se quer encará-la de frente. Até mesmo o termo
barroco é um termo pejorativo criado para desacreditar a arte que não seguia os
modelos clássicos.
O cultismo que se via nas obras de
Marino e de alguns escritores como Gongora, era considerado difícil e de mau
gosto. Mas até pode-se falar em difícil, tendo em vista que “um Marino, um
Góngora, um Donne quiseram oferecer algo de novo e inédito, a todo custo, até
ao preço de tornar-se afetados ou incompreensíveis.” Ibidem (p. 62), no entanto
de mau gostos é questionável, pois poderia-se entender essa tentativa de uma
busca por possibilidades novas uma fuga ou um cansaço. “O espírito dominante da
sociedade aristocrática, cansada da ‘grande simplicidade do Classicismo’, impõe
sutilezas cada vez mais profundas ou pseudoprofundas.” Ibidem (p. 62). Cansaço exarcebado de algo delineado, medido,
linear e muitas vezes previsível além de exigível como credencial para ser
aceito no meio literário em voga.
Então tinha-se até o nome Barroco
como algo pejorativo até recentemente quando passou-se a fazer um reestudo das
literaturas surgidas nessa época.A ideologia clássica mantinha a definição bem
delimitada entre a razão e a fé, o homem e Deus e o ser e não-ser. Na
Contra-Reforma (ideologia do Barrococo) tenta-se uma reaproximação do homem a
Deus. Essas questões referentes a Deus e ao homem refletem na arte e,
particularmente na literatura. Conforme Coutinho (1995, p.102):
A poesia de Marino, Donne, Gongora ou
Gregório de Matos mistura religiosidade e sensualismo, erotismo e misticismo,
em efusões erótico espirituais (Wesbach), formando um típico naturalismo
sensual. Tanto na lírica quanto na mística, existe essa sensualização de
assuntos religiosos, embora muita vez dissimulada sob toda a casta de disfarces
ou artifícios retóricos e estilísticos, distorções ou obscuridades, tão ao
gosto da época.
Fica claro, portanto, porque há o uso
constante de figuras de linguagens, cores claras e cores escuras, profano e
sagrado, morte e vida...
A EXTEMPORANEIDADE DO BARROCO
O Barroco fez-se presente do século
XVI ao século XVIII, mas como a questão temporal nos estilos literários não é
fixa servindo apena para situar o estudioso ou interessado e facilitar
didaticamente o aprendizado é possível afirmar que o Barroco atravessou
fronteiras geográficas e temporais sendo possível verificá-lo na literatura
moderna em todas as suas nuances do passado. Como exemplo é possível estudar a
obra de Osmam Lins , Nove, novena, e contemplar o Barroco mesmo a obra tendo
sido escrita em pleno século XX.
Em Nove, novena, temos o Conto Barroco ou Unidade Tripartita em
que há uma inovação na produção literária de escrita. Já não se trata mais de
um conto na forma tradicional em que se esta acostumado a ler e ver, mas existe
todo um processo de criação nova na estrutura do conto. É possível verificar,
portanto, o quanto o Barroco é moderno, pois a modernidade e tradição se juntam
nesse que é um dos melhores contos já produzidos por um escritor moderno.
Embora sejam muitas as definições que
se tem sobre conto pode-se conceber que conto é uma narrativa breve, que se
passa em um espaço e em um tempo bem delimitado. A trama é única e sem muitas
peripécias procurando levar o leitor ao desfecho no máximo de tensão e o mínimo
de descrição. Esta é a descrição comum de um conto. Porém, em Conto Barroco, há
inovações e o conto foge aos padrões limítrofes impostos pelo conceito
tradicional de conto. Esse fato já é demonstrado logo no titulo do conto, pois
faz referência a uma “Unidade Tripartita” remetendo à trindade cristã. Um conto
nos moldes tradicionais é uno. Nos moldes de Osman Lins é trino como a
trindade. Nada mais Barroco.
A questão religiosa é abordada
explicitamente em Conto Barroco de
tal forma que pode ser notada tanto em sua referência ao Barroco que objetivava
resgatar valores católicos propostos pela Contra-Reforma como afirma Coutinho
(1995,p. 101):
Teve, pois, o Barroco um sentido
eminentemente religioso, e constituiu “a expressão ou linguagem plasmadora das
instituições” brotadas da energia religiosa da Contra-Reforma, e realizando a
‘fusão da expressão formal e da expressão espiritual’, no dizer de Weisbach. A
idelologia corrente do Barroco resultou do movimento espiritual desencadeado
pela Contra Reforma, no intuito de reaproximar o homem de Deus, o celestial e o
terreno, o religioso e o profano,
conciliando as heranças medieval e renascentista.
Como em sua referência ao religioso e
as tradições cristãs, além de, por várias vezes intertextualizar com textos
bíblicos que fazem menção ao próprio Cristo. Uma manifestação clara do sagrado
e do profano que sempre estiveram em evidência no Barroco. “ O homem Barroco
humaniza o sobrenatural, ligando o Céu e a Terra, misturando os dois planos na
sua vida cotidiana, sem que seja preciso deixar de ser pícaro para participar da
visão das coisas celestiais” (Ibidem, p. 104).
Conto Barroco ou unidade tripartita, trata de um assassinato que deveria ser execultado
por um provável policial. A vitima da qual nada é informado sobre o crime que
cometera ainda não é conhecidada do carrasco que precisa da ajuda de uma
ex-amante da vitima. Também surge no conto o pai da vitima. Com esses
personagens Osman Lins leva o leitor a também se tornar personagem. Traz para
próximo do ser humano o céu, Cristo, apóstolos referindo-se ao sacro e o profano
por meio da traição, da morte, da dor e da agonia humana que titubeia entre o
bem e o mal. Nesse sentido é dito por Coutinho (1995, p. 107):
A intensidade, ou o desejo de exprimir
intensamente o sentido da existência, expressa no abuso da hipérbole, na
exarcebação das paixões e sentimentos, na intensidade da dor amorosa, do ciúme,
do arrependimento (até conduzindo à loucura), do desejo sexual (traduzido em
palavras de fogo, levando até ao assassinato, à violação, ao incesto); nos
excessos de desespero; no orgulho desmesurado, no gosto das emoções fortes, do
espetáculo aterrador, da morte, do macabro, das alucinações, do fantástico.
E o que temos em Conto Barroco se não todas essas conjugações de ações? Temos a
traição, pois a ex-amante, uma negra que tivera um filho com a vitima, recebe
dinheiro para traí-lo e não só concorda com a traição como aponta a vitima para
seu algoz, “trava-me o braço e olha por cima do meu ombro: ‘vem aí o homem.
Guarde a cara dele’. Passo-lhe o dinheiro, afago meu revólver.” Lins (2012,
p.122). Também menciona-se o desejo sexual, alucinações o macabro como neste
texto: “Um pavão branco, de cauda sangue e ouro, aproxima-se e engole as frutas
ávido, ante minha irmã paralisada, deixando apenas a compoteira vazia. Volta-se
o rato e num instante sorve minha irmã.” (ibidem, p. 126).
Além do mais houve no Brasil alguns
lugares onde o fomento do Barroco foi mais gritante sendo os principais:
Congonhas, ouro preto e Tiradentes. Locais citados no conto e não por acaso
três locais. Assim como sempre são citadas três possibilidades de solução no
texto fazendo essa conexão por meio da conjunção “ou”.
Os contrários são evidenciados quando
menciona-se o claro e o escuro no momento em que a mulher é retratada nua, no
leito. Nesse momento o brilho, a luz contrastam com o escuro da voz da negra e
o ambiente onde tem-se os ratos correndo e o voou das baratas.
O conto culmina com a morte reinando,
vencendo o homem. Embora o religioso esteja presente, pois até mesmo José
Gervásio que diz ter sido vitima durante toda a sua vida não é poupado. Mais
uma vez em menção ao Barroco o cristianismo é citado. O homem é colocado em
igualdade com Deus. O homem é Deus porque Deus é homem. “Eu e o Pai somos um.”
João 10:30. José Gervásio se diz sofredor e até na cruz estivera, “Ele em
calção de banho, cabelo à nazarena, barba crescida, pés e pulsos amarrados de
corda, numa cruz.”(ibidem, p. 128). É mais uma vez o sacro e o profano. Não se
trata de oposição, mas de complementação. O homem torna-se uma extensão de Deus
e Deus do homem. A fé e a razão caminham lado a lado assim como os infortúnios
e a glória conforme é possível perceber nas palavras de José Gervásio: “Mas em
Sento Sé foi uma glória.” Se fora glória lá em Sento Sé não o fora em outros
lugares: “Houve cidades onde o que me deram não chegou nem para alimentar o
jumento.” Dessa forma fica clara a intenção Barroca nesse conto moderno,
mostrando que a Literatura Barroca atravessou fronteiras chegando ao Brasil por
meio de Gregório de Matos Guerra e do Padre Antonio Vieira e atravessando
séculos até a modernidade como pode ser visto no conto de Osman Lins, Conto Barroco ou Unidade
Tripartita.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA SAGRADA, 2ª ed. São Paulo: Scripturae
Publicações, 2004.
CAMPOS, Haroldo. O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: O caso Gregório de Matos. 1ªed. São Paulo:
Iluminuras, 2011.
CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literaturas: brasileira e portuguesa: teoria e texto: volume único. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995.
CARPEAUX, Oto Maria. O Barroco e o Classicismo por Carpeaux. 1ª ed. São Paulo: Leya,
2012.
LINS, Osman. Nove,
novena. 4ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012.
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