sábado, 22 de junho de 2013

BARROCO: TRADIÇÃO E MODERNIDADE

 BARROCO: TRADIÇÃO E MODERNIDADE        

Há no Brasil, entre os críticos de maior envergadura, uma tendência a afirmar que no Brasil não houve literatura Barroca, mas somente manifestação Barroca. É bem certo que tal afirmação não tem um motivo com fortes explicações literárias tendo em vista que, após uma releitura das obras de Gregório de Matos Guerra, Vieira, Gongora, dentre outros, foi possível traçar um perfil desses literatos e afirmar que sim, houve uma literatura Barroca no Brasil que influenciou e continua influenciando escritores.
Também é possível afirmar que o que houve para maginalizar-se com tal ímpeto tal época, qual seja, a época Barroca, tenha sido uma incompreensão, mas de qualquer forma não é possível que se aceite com naturalidade que a época barroca tenha sido, por exemplo, primitiva, pois, “Não há épocas primitivas nem épocas decadentes; só há épocas que compreendemos bem porque a nossa própria atitude é parecida, e outras que compreendemos menos ou só com dificuldade porque diferem muito da nossa.  Carpeaux (2012, p.27).
Dessa forma é que frequentemente os livros didáticos apontam para o Período Barroco no Brasil como sendo tão somente uma manifestação literária e nada mais . “Houve, no Brasil colonial, dois tipos de Barroco: O baiano, com manifestações literárias...” Yousseff ( 2003, p. 133). Poderia-se também concordar com Antônio Cândido na Formação da Literatura Brasileira em que o autor defende que faltou um público, uma continuidade da tradição e uma comunicabilidade de tal forma que não poderia haver uma literatura Barroca no período colonial.Sobre a questão do rebuscamento, citando o livro de Cândido, nos alerta Campos (2011, p. 55):

É, porém, o mesmo crítico quem, num movimento antiteticamente pendular em relação a esse louvor do “gratuito” enquanto fator criativo, nega a existitência em nossa literatura, “até o Modernismo”, de “escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade fácil do rebuscamento verbal”. Que quer dizer exatamente esta fórmula? O Pe. Vieira, com seu “discurso engenhoso”, é escritor fácil? Sousândrade o é? Euclides é fácil? Ou todos eles são “falsos requintados”, como o foram, mutatis mutandis, para a crítica adversa do tempo, Gôgora, o “anjo da trevas”, o “mostruoso” Holderlin das traduções sofoclianas, Mallarmé, o “obscuro...”

A Literatura Barroca, seria portanto de  pouco valor literário jamais comparável aos Clássicos  com seu ideário em que cantavam o país, a natureza e, enfim, a essência do espírito nacional. Sendo assim tivemos os românticos e a partir deles uma literatura. O que ficou para trás não conta e não tem valor. Percebe-se muitas vezes nessa exclusão um preconceito, pois tinha-se uma Literatura conservadora e uma Literatura em efervescência que não dependia do Renascimento.  Na verdade falar em Clássico no Brasil no inicia da colonização não é tão próprio, pois o que havia eram alguns escritores imitadores dos clássicos antigos.
BARROCO LITERÁRIO
É importante mencionar que o século XVII foi fecundo no que diz respeito à Cervante e Gongora. Mas não se pode negar que para o século posterior somente a França fora digna de uma grande literatura e que somente a França produzira uma alta cultura ficando à margem as literaturas espanholas e italianas, por exemplo, o que demonstra o caráter tendencioso da literatura do século XVIII. Assim fora, no entanto, por causa de uma Aristocracia acostumada à literatura Clássica e um centro irradiador que era nesse caso a França com seu rei Luis XIV. O Máximo que se considerava era que a Espanha tinha alguma coisa de pontualmente bom como afirma Carpeaux (2012, p. 19):

Só assim se explica o equívoco de que Lope de Vega e Shakespeare tivessem sido considerados como poetas renascentistas; os poetas seus contemporâneos, Góngora e Donne, que não era possível, nem com a maior boa vontade, considerar como representante da Renascença, continuam condenados. Ainda existem manuais da literatura espanhola e inglesa nos quais o estilo de Gógora é explicado por uma doença mental do poeta e o nome de Donne nem se quer figura. Fora da França, o século XVII parecia – e parece a muitos até hoje – dominado pelo “mau gosto.”

Ou seja, para a elite do século XVII quem reinava em termos literários era a França e no século XVII algumas poucas coisas surgiram na Inglaterra e Espanha que podem se consideradas boas.
Em 1580 Camões já morrera e a unificação ibérica já se processara. Havia em Portugal o domínio Espanhol que durou até 1640.  Portugal, dominado, não convivia com os avanços que ocorriam na Europa e a colônia tinha o mesmo destino. Sendo assim o que se tinha no Brasil era um Barroco que misturou a tendência europeia com a realidade local, ma nem por isso não há de se falar em originalidade. “Quanto ao estrangeiro, lá reinava o ‘mau gosto’, quer dizer, um estilo caracterizado pelo fato de não ser um estilo. Chegou-se a negar a existência do Barroco em literatura.” (Ibidem, p. 25).   Negar o Barroco não é licito e nem verdadeiro. Dizer que no século XVII houve somente uma literatura de mau gosto é tentar fugir de uma realidade que urge aos nossos olhos e nossos ouvidos mostrando-se a todo tempo, mesmo quando não se quer encará-la de frente. Até mesmo o termo barroco é um termo pejorativo criado para desacreditar a arte que não seguia os modelos clássicos.
O cultismo que se via nas obras de Marino e de alguns escritores como Gongora, era considerado difícil e de mau gosto. Mas até pode-se falar em difícil, tendo em vista que “um Marino, um Góngora, um Donne quiseram oferecer algo de novo e inédito, a todo custo, até ao preço de tornar-se afetados ou incompreensíveis.” Ibidem (p. 62), no entanto de mau gostos é questionável, pois poderia-se entender essa tentativa de uma busca por possibilidades novas uma fuga ou um cansaço. “O espírito dominante da sociedade aristocrática, cansada da ‘grande simplicidade do Classicismo’, impõe sutilezas cada vez mais profundas ou pseudoprofundas.” Ibidem (p. 62).  Cansaço exarcebado de algo delineado, medido, linear e muitas vezes previsível além de exigível como credencial para ser aceito no meio literário em voga.
Então tinha-se até o nome Barroco como algo pejorativo até recentemente quando passou-se a fazer um reestudo das literaturas surgidas nessa época.A ideologia clássica mantinha a definição bem delimitada entre a razão e a fé, o homem e Deus e o ser e não-ser. Na Contra-Reforma (ideologia do Barrococo) tenta-se uma reaproximação do homem a Deus. Essas questões referentes a Deus e ao homem refletem na arte e, particularmente na literatura. Conforme Coutinho (1995, p.102):
A poesia de Marino, Donne, Gongora ou Gregório de Matos mistura religiosidade e sensualismo, erotismo e misticismo, em efusões erótico espirituais (Wesbach), formando um típico naturalismo sensual. Tanto na lírica quanto na mística, existe essa sensualização de assuntos religiosos, embora muita vez dissimulada sob toda a casta de disfarces ou artifícios retóricos e estilísticos, distorções ou obscuridades, tão ao gosto da época.

Fica claro, portanto, porque há o uso constante de figuras de linguagens, cores claras e cores escuras, profano e sagrado, morte e vida...

A EXTEMPORANEIDADE DO BARROCO

O Barroco fez-se presente do século XVI ao século XVIII, mas como a questão temporal nos estilos literários não é fixa servindo apena para situar o estudioso ou interessado e facilitar didaticamente o aprendizado é possível afirmar que o Barroco atravessou fronteiras geográficas e temporais sendo possível verificá-lo na literatura moderna em todas as suas nuances do passado. Como exemplo é possível estudar a obra de Osmam Lins , Nove, novena, e contemplar o Barroco mesmo a obra tendo sido escrita em pleno século XX.
Em Nove, novena, temos o Conto Barroco ou Unidade Tripartita em que há uma inovação na produção literária de escrita. Já não se trata mais de um conto na forma tradicional em que se esta acostumado a ler e ver, mas existe todo um processo de criação nova na estrutura do conto. É possível verificar, portanto, o quanto o Barroco é moderno, pois a modernidade e tradição se juntam nesse que é um dos melhores contos já produzidos por um escritor moderno.
Embora sejam muitas as definições que se tem sobre conto pode-se conceber que conto é uma narrativa breve, que se passa em um espaço e em um tempo bem delimitado. A trama é única e sem muitas peripécias procurando levar o leitor ao desfecho no máximo de tensão e o mínimo de descrição. Esta é a descrição comum de um conto. Porém, em Conto Barroco, há inovações e o conto foge aos padrões limítrofes impostos pelo conceito tradicional de conto. Esse fato já é demonstrado logo no titulo do conto, pois faz referência a uma “Unidade Tripartita” remetendo à trindade cristã. Um conto nos moldes tradicionais é uno. Nos moldes de Osman Lins é trino como a trindade. Nada mais Barroco.
A questão religiosa é abordada explicitamente em Conto Barroco de tal forma que pode ser notada tanto em sua referência ao Barroco que objetivava resgatar valores católicos propostos pela Contra-Reforma como afirma Coutinho (1995,p. 101):

Teve, pois, o Barroco um sentido eminentemente religioso, e constituiu “a expressão ou linguagem plasmadora das instituições” brotadas da energia religiosa da Contra-Reforma, e realizando a ‘fusão da expressão formal e da expressão espiritual’, no dizer de Weisbach. A idelologia corrente do Barroco resultou do movimento espiritual desencadeado pela Contra Reforma, no intuito de reaproximar o homem de Deus, o celestial e o terreno, o religioso  e o profano, conciliando as heranças medieval e renascentista.

Como em sua referência ao religioso e as tradições cristãs, além de, por várias vezes intertextualizar com textos bíblicos que fazem menção ao próprio Cristo. Uma manifestação clara do sagrado e do profano que sempre estiveram em evidência no Barroco. “ O homem Barroco humaniza o sobrenatural, ligando o Céu e a Terra, misturando os dois planos na sua vida cotidiana, sem que seja preciso deixar de ser pícaro para participar da visão das coisas celestiais” (Ibidem, p. 104).
Conto Barroco ou unidade tripartita, trata de um assassinato que deveria ser execultado por um provável policial. A vitima da qual nada é informado sobre o crime que cometera ainda não é conhecidada do carrasco que precisa da ajuda de uma ex-amante da vitima. Também surge no conto o pai da vitima. Com esses personagens Osman Lins leva o leitor a também se tornar personagem. Traz para próximo do ser humano o céu, Cristo, apóstolos referindo-se ao sacro e o profano por meio da traição, da morte, da dor e da agonia humana que titubeia entre o bem e o mal. Nesse sentido é dito por Coutinho (1995, p. 107):

A intensidade, ou o desejo de exprimir intensamente o sentido da existência, expressa no abuso da hipérbole, na exarcebação das paixões e sentimentos, na intensidade da dor amorosa, do ciúme, do arrependimento (até conduzindo à loucura), do desejo sexual (traduzido em palavras de fogo, levando até ao assassinato, à violação, ao incesto); nos excessos de desespero; no orgulho desmesurado, no gosto das emoções fortes, do espetáculo aterrador, da morte, do macabro, das alucinações, do fantástico.

E o que temos em Conto Barroco se não todas essas conjugações de ações? Temos a traição, pois a ex-amante, uma negra que tivera um filho com a vitima, recebe dinheiro para traí-lo e não só concorda com a traição como aponta a vitima para seu algoz, “trava-me o braço e olha por cima do meu ombro: ‘vem aí o homem. Guarde a cara dele’. Passo-lhe o dinheiro, afago meu revólver.” Lins (2012, p.122). Também menciona-se o desejo sexual, alucinações o macabro como neste texto: “Um pavão branco, de cauda sangue e ouro, aproxima-se e engole as frutas ávido, ante minha irmã paralisada, deixando apenas a compoteira vazia. Volta-se o rato e num instante sorve minha irmã.” (ibidem, p. 126).
Além do mais houve no Brasil alguns lugares onde o fomento do Barroco foi mais gritante sendo os principais: Congonhas, ouro preto e Tiradentes. Locais citados no conto e não por acaso três locais. Assim como sempre são citadas três possibilidades de solução no texto fazendo essa conexão por meio da conjunção “ou”.
Os contrários são evidenciados quando menciona-se o claro e o escuro no momento em que a mulher é retratada nua, no leito. Nesse momento o brilho, a luz contrastam com o escuro da voz da negra e o ambiente onde tem-se os ratos correndo e o voou das baratas.
O conto culmina com a morte reinando, vencendo o homem. Embora o religioso esteja presente, pois até mesmo José Gervásio que diz ter sido vitima durante toda a sua vida não é poupado. Mais uma vez em menção ao Barroco o cristianismo é citado. O homem é colocado em igualdade com Deus. O homem é Deus porque Deus é homem. “Eu e o Pai somos um.” João 10:30. José Gervásio se diz sofredor e até na cruz estivera, “Ele em calção de banho, cabelo à nazarena, barba crescida, pés e pulsos amarrados de corda, numa cruz.”(ibidem, p. 128). É mais uma vez o sacro e o profano. Não se trata de oposição, mas de complementação. O homem torna-se uma extensão de Deus e Deus do homem. A fé e a razão caminham lado a lado assim como os infortúnios e a glória conforme é possível perceber nas palavras de José Gervásio: “Mas em Sento Sé foi uma glória.” Se fora glória lá em Sento Sé não o fora em outros lugares: “Houve cidades onde o que me deram não chegou nem para alimentar o jumento.” Dessa forma fica clara a intenção Barroca nesse conto moderno, mostrando que a Literatura Barroca atravessou fronteiras chegando ao Brasil por meio de Gregório de Matos Guerra e do Padre Antonio Vieira e atravessando séculos até a modernidade como pode ser visto no conto de  Osman Lins, Conto Barroco ou Unidade Tripartita.


           
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA SAGRADA, 2ª ed. São Paulo: Scripturae Publicações, 2004.

CAMPOS, Haroldo. O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: O caso Gregório de Matos. 1ªed. São Paulo: Iluminuras, 2011.

CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literaturas: brasileira e portuguesa: teoria e texto: volume único. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

CARPEAUX, Oto Maria. O Barroco e o Classicismo por Carpeaux. 1ª ed. São Paulo: Leya, 2012.

LINS, Osman. Nove, novena. 4ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012.


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